PORTO VELHO. A história do município contada por Abnael Machado

17-09-2012 18:17

CAPITAL - 17 de setembro de 2012 - 8h34

PORTO VELHO. A história do município contada por Abnael Machado

No próximo 2 de outubro, dia do aniversário do município de Porto Velho, o escritor Abnael Machado vai lançar o livro “Do Major Guapindaia a Roberto Sobrinho” sobre a história da cidade desde a primeira gestão até a atual. Major Guapindáia foi o primeiro prefeito da Capital de Rondônia, nomeado pelo governo do Estado do Amazonas para implantar o município e prepará-lo para a primeira eleição de prefeito, realizada em 1916. Militar, ele enfrentou com galhardia uma briga que havia entre brasileiros e norte-americanos pela autonomia da pequena Porto Velho do início do Século XX. Em entrevista ao Diário, o professor Abnael nos conta como a cidade  foi criada, “graças à teimosia de um grupo de anônimos brasileiros”.

DA – Como surgiu o nome da cidade de  Porto Velho?

Abnael Machado – Em 1866, este espaço em que se formou a cidade de Porto Velho foi ocupado por uma tropa militar. Eles eram Voluntários da Pátria, do Regimento do Jamary, sediado em São Carlos do Madeira, e ficaram acampados aqui até 1870. Este acampamento ficava onde hoje está o Hospital da Guarnição. A missão deles era deter qualquer pretensão da Bolívia de invadir esta região. Na época, o Brasil estava guerreando com o Paraguai e a Bolívia era simpatizante ao Paraguai. Terminada a guerra eles se retiraram. Com isso a região passou a ser conhecida como “Porto Velho dos Militares” e posteriormente por “Porto Velho”.

 

DA – A quem pertencia o espaço onde foi construída a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré?

Abnael Machado – O espaço compreendido entre o igarapé dos Milagres, que fica ao norte da cidade, perto da balsa, até  o igarapé Grande, no Cai N`Àgua, foi comprado pelo coronel José da Costa Crespo. Do outro lado do igarapé ficava o seringal Milagres, que também foi adquirido pelo coronel Crespo. Depois do Cai N`Água ficava a Candelária, o seringal Santa Marta e o município de Santo Antônio do Madeira, já no estado do Mato Grosso. Este é o espaço da nossa cidade [A região onde foi criada a cidade, na época pertencia ao município de Humaitá, do Estado do Amazonas, e era localizada na divisa com o Estado do Mato Grosso, onde hoje fica a igreja de Santo Antônio].De 1890 até 1907, o espaço onde hoje está a cidade de Porto Velho fazia parte do seringal Crespo, que foi a área que o coronel José da Costa Crespo comprou do governo do Estado do Amazonas, por   600 mil réis. Em 25 de junho de 1907, a empresa  contratada pelo empresário Percival Farqhuar para construir a ferrovia mudou o ponto de partida da linha de ferro, que de acordo com o Tratado de Petrópolis seria Santo Antônio,  para o Porto do  Velho, à revelia de autorização do governo brasileiro. Então, foi uma invasão de terras do seringal Crespo, que tinha proprietário. O coronel Crespo protestou contra esta invasão indevida. A empresa se propôs a comprar a terra e aí o seringalista decidiu que venderia a área por  um conto e 200 mil réis. Aí a empresa não concordou e foi para a Justiça. Só que o Percival Farqhuar era quase que o dono do Brasil e também um grande corruptor, inclusive a empresa dele já tinha no orçamento  uma reserva para pagar propina. Então o coronel Crespo enfrentou  o Farqhuar na Justiça, mas ele tinha os melhores advogados, inclusive Rui Barbosa. Aí a empresa teve ganho de causa, o seringal foi desapropriado e os norte-americanos começaram a se preparar para ocupar o espaço.

 

DA – E  o Coronel Crespo entregou a terra sem ganhar nada?

Abnael Machado – Ele perdeu tudo, perdeu a área e aí vai surgir a briga entre brasileiros e norte-americanos, porque os estrangeiros  diziam que tinham ganho na Justiça a área que fica do rio Madeira até o rio Candeias, contrariando a lei, que prevê a cessão pelo governo de 300 metros ao longo das ferrrovias, sendo 150 metros de cada lado, que são áreas de segurança.

 

DA – Resolvida esta questão na Justiça, os americanos começaram a construção da ferrovia.

Abnael Machado – Sim, daí eles trouxeram cerca de 100 trabalhadores contratados em Belém do Pará para fazer o desmatamento da capoeira do antigo Porto dos Militares e começaram a se preparar para ocupar a área. Só não esperavam que próximo das instalações fosse surgir uma série de barracas de pesssoas que não tinham nada a ver com a ferrovia. A companhia então protestou contra esta invasão junto ao governo do Amazonas e ao governo federal, mas os “invasores” diziam que estavam em ruas devolutas do municipio de Humaitá e não iam sair.  O governo do Amazonas ficou quieto, porque provavelmente tinha interesse em que se desenvolvesse um novo município e a população invasora foi crescendo em número de barracas e de pessoas.  Em 1909, a companhia concluiu que não tinha condições de expulsar os moradores,  instituiu um corpo de seguranças armados e mandou construir uma cerca onde hoje está a avenida Presidente Dutra, que logo os brasileiros apelidaram de Linha Divisória, justificando que era para proteger as suas instalações. No dia 4 de julho de 1907, a companhia, simbolicamente, deu início à construção da ferrovia. Foi assentado no Marco Zero um dormente e fixado um trilho. Agora, é  preciso colocar que os trabalhos entre Santo Antônio e Jacy-Paraná continuavam. Eles vieram para cá para construir mais  sete quilômetros, entre Porto Velho e Santo Antônio.A Lei Estadual 757, de 2 de outubro de 1914, expedida por Jonathas Pedrosa, criou o município de Porto Velho. No dia 24 de dezembro de 1914 foi nomeado  Fernando Guapindáia de Souza Brejense, major do Exército, para prefeito do município de Porto Velho. Ele veio para  preparar  a primeira eleição para prefeito, que foi feita em 1916.  Em 24 de janeiro de 1915 foi instalado o município e com isso ficavam oficializadas as duas administrações – de um lado a do município de Porto Velho e do outro a da administração da ferrovia. Então, em resumo, pode-se dizer que a cidade de Porto Velho se deve à resistência dos anônimos brasileiros à prepotência dos estrangeiros da empresa do Farqhuar.

 

DA- Com a criação do município,  ficou mais acirrado o conflito ente as duas administrações?

Abnael Machado – Quando o Guapindaia chegou, a empresa cedeu duas casas, uma para a prefeitura e outra para a residência  da família e passagem livre nos trens. Aí, o prefeito começou a expedir decretos proibindo a ferrovia de cobrar impostos  de terras e de mercadorias, de doar terras e de retirar madeira das florestas do município. Eles tiravam madeira de onde hoje está instalado o Colégio Auxiliadora, que era o Alto da Favela. Com isso, houve uma troca de expedientes violentos entre a prefeitura e a administração da ferrovia e a empresa despejou a prefeitura e a família do Guapindaia e cortou os passses livres nos trens. E esta briga foi rolando  até 1931,quando os norte-americanos paralisaram e abanonaram a ferrovia e a adminstração passou a ser feita pelo governo brasileiro.

 

DA – Esta briga chegou a gerar um conflito bélico. Como foi isso, professor?

Abnael Machado – O Guapindaia separou uma área para ser o Cemitério dos Inocentes, porque haviam problemas para enterrar os brasileiros nos cemitérios da Candelária e  de Santo Antônio, que estavam dentro da área da Madeira-Mamoré. Aí, a filha do Guapindaia, Evelinda, que  era a diretora e a professora da primeira escola criada pelo municipio – Escola Mista Doutor Jonathas Pedrosa, de 1915 – começou a colher donativos para fazer a capela do cemitério. Quando ela chegou na rua dos Portugueses, que hoje é a Barão do Rio Branco, foi ofendida pelos comerciantes e  o Guapindaia mandou prender o desfeiteador e mais outros que se juntaram com eles e mandou dar uma surra com  chicote com umbigo de boi. Os portugueses se juntaram para libertar os prisioneiros e  a Madeira-Mamoré pegou em armas. O Guapindaia se entricheirou para esperar os inimigos, mas os portugueses sequestraram um funcionário da prefeitura, para trocar pelos prisioneiros. O Guapindaia queria resistir, mas recebeu a notícia de que o delegado havia fugido  e aí teve que negociar. Em dezembro de 1916 foi eleito prefeito da cidade o doutor Joaquim Augusto Tanajura, que comprou o prédio da antiga câmara de um empresário português, para ser a prefeitura de Porto Velho. O prédio hoje está em ruínas.

 

Perfil

 O professor Abnael Machado é portovelhense, tem 80 anos e um vasto currículo como educador e historiador. Membro do “Grupo de Notáveis”, colaborou na elaboração da Constituição do Estado de Rondônia e foi um dos fundadores da Universidade Federal de Rondônia, do Conselho Estadual de Educação, da Academia Rondoniense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Estado. Foi secretário estadual de Educação e coordenador do Núcleo de Expansão da Universidade Federal do Pará. Lecionou em vários colégios e publicou  cinco livros: “Terras de Rondônia”, “Achegas para a História da Educação de Rondônia”, “ABC da Constituinte”, “Guaporelândia” e “Lendas e Folclore de Rondônia”. Recentemente escreveu um livro sobre o Forte Príncipe da Beira, que será distribuído pelo governo do Estado, e o livro “Do Major Guapindáia a Roberto Sobrinho, sobre a história de Porto Velho, com apoio da Fundação Municipal de Cultura Iaripuna.  No final do ano, pretende lançar uma obra sobre os 50 anos da Caravana Ford.